Duarte Gomes escreve sobre as leis do jogo. Lei 2

Como já tínhamos anunciado anteriormente, o ex-árbitro internacional Duarte Gomes estará a escrever no jornal Expresso durante 18 semanas um artigo por semana sobre cada uma das 17  leis do futebol mais 1, a do bom senso.

Já está disponível o seu segundo artigo que aqui reproduzimos:

"Depois de na semana passada termos aqui falado sobre o palco onde tudo acontece (na Lei 1 - O Terreno de Jogo), passamos hoje para a segunda das regras que regem as Leis de Jogo.

É que, sem bola, não há brilhantismo individual, não há jogadas coletivas, não há fintas estonteantes nem trivelas fantásticas. Sem bola não há golos memoráveis, não há bruaaaá das bancadas, não há futebol, não há jogo. Certo?

Vamos a isso, então...

Regra de ouro: a bola tem que ser esférica (que é como quem diz, redondinha). Difícil esta, não era? Depois, tem que ser feita de material adequado. Não pode ser de chumbo, esferovite, algodão ou afins. Não dava lá muito jeito, digo eu. Couro, por exemplo, serve muito bem.

Agora a parte curiosa: a bola, no início do jogo, tem que pesar menos de meio quilo (situa-se, mais concretamente, entre as 410 e 450 gramas). E dizemos "antes do jogo" porque, se por força de chuvas torrenciais ou outras intempéries, ela se tornar um pouco mais pesada durante a partida, o jogo continua. Entendido?

Outras curiosidades: o perímetro da bola, que é no fundo a medida da sua circunferência, deve ter entre 68 e 70 cm. Nem mais nem menos. E, já agora, a sua pressão obedece a regras bem restritas: deve ser a equivalente a 0.6 e 1.1 atmosferas, ao nível do mar. Ou seja, tem que estar no ponto, apta - o suficiente - para saltar e ser pontapeada pelos jogadores, mas sem ar a mais nem ar a menos.

Como é que uma coisa tão pequenina pode exigir tanto rigor?

Para o adepto, a bola é apenas uma bola. Para quem dirige e para quem joga, é mais, muito mais do que isso. De forma a confirmar todas essas premissas e imposições legais, os árbitros veem todas as bolas disponíveis para o jogo, antes do início da partida, no seu balneário.
Munidos de um manómetro, testam - uma a uma - todas as bolas que poderão entrar no jogo. Não pode haver deslizes, mesmo naquilo que aparentemente são meros pormenores. São, em média, entre oito e dez o número de bolas que os clubes visitados devem apresentar. Quando o jogo começa, as bolas - à exceção daquela que iniciará a partida - são distribuídas pelos apanha-bolas, que estão dispostos em torno do terreno de jogo.

Mas há mais.

Nas competições aprovadas pela FIFA não pode haver nelas qualquer tipo de publicidade e todas as consideradas "oficiais" devem ter um logotipo que o confirme (de entre três que foram aprovados). Porquê? Porque só assim se confirma que ela foi devidamente testada e satisfaz os requisitos mínimos da Lei 2. Caso esses selos de qualidade não existam, as bolas não podem rolar nos relvados do futebol profissional.

Agora algo mais prático: se, no decurso de um jogo, a bola tornar-se defeituosa (ou seja, perder ar ou furar, por exemplo), o árbitro deve interromper de imediato o jogo. Depois deve substituir a bola por outra em condições. Só de seguida deve recomeçar a partida com uma bola ao solo, a efetuar no local onde ela se encontrava no momento em que o jogo foi interrompido.

Sobre esta nota, duas considerações importantes:

- Futebol não é basquetebol. Lá não há "bola ao ar"! Há "bola ao solo". E nessas, a bola só entra em jogo (que é como quem diz, só pode ser disputada pelos jogadores) depois de tocar, efetivamente, no solo. Nunca antes disso.

- Se, por acaso, a bola ficasse defeituosa dentro de uma das áreas de baliza (que o adepto conhece como pequena área), a bola ao solo não seria exatamente no local onde ela estava quando o árbitro interrompeu o jogo, mas sim "na linha da área de baliza, paralela à linha de baliza, no local mais próximo onde a bola se encontrava, no momento da interrupção". Trocando por miúdos: não fazia sentido fazer uma bola ao solo tão pertinho da linha de baliza (imaginem os pontapés e empurrões de quem defende e quem ataca). Por isso, nesses casos, a lei achou mais sensato (e eu concordo) afastar um pouco a bola da zona de potencial confusão.

Quase a terminar, nota para uma exceção importante e que acontece quando a bola perde as suas condições esféricas nos pontapés de penálti (seja em tempo normal de jogo, seja para achar vencedor): caso isso se verifique quando ela é pontapeada para a frente mas antes de tocar em qualquer outro jogador, na barra ou poste... o penálti deve ser sempre repetido.

Exemplo dessa exceção:

⁃ A bola é chutada e rebenta no seu trajeto, mas antes de chegar à baliza: aí o penálti é repetido. Porquê? Porque não foi considerado efetuado. Não terminou o seu efeito.

Exemplo da aplicação da regra geral:

⁃ A bola rebenta depois de bater no poste, na barra ou após defesa do guarda redes: aqui já deve ser executada bola ao solo. Porquê? Porque aqui o penálti já terminou o seu efeito. Considera-se que a bola só rebentou "à posteriori", daí aplicar o princípio geral.

Entendido? Muito bem. Nota final:

Além daquelas que são distribuídas aos jovens que cumprem a função de apanha-bolas (e que aqui já referimos), há também a opção (não obrigação) de colocar outras bolas que ao redor do relvado (em vários pontos, a cerca de um metro da linha lateral, para acesso mais rápido dos jogadores em casos de lançamento lateral, por exemplo). A ideia é tornar o jogo mais célere e dinâmico. Lá foi o tempo em que a bola saía do estádio e eram os suplentes que as iam buscar à estrada, enquanto jogadores e árbitros aguardavam pacientemente (na verdade ainda acontece em muitos jogos, sobretudo distritais... mas seria inadmissível no futebol profissional).

E pronto. Podem respirar. E reter.

Porque jogar à bola não custa, mas perceber o jogo a sério dá um pouco mais de trabalho (esperem até falarmos das leis mais complicadas...).

Para a semana há mais. E nas seguintes também. Fiquem por perto."


Fonte: Jornal Expresso

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